Ofensiva jurídica

Na Justiça, CACs garantem validade de CRs e CRAFs para 10 anos

Decisões de 1ª e até 2ª instância afirmam que mudança de validade imposta por decreto fere o 'ato jurídico perfeito'

A validade do Certificado de Registro de CAC (Caçador, Atirador ou Colecionador) tem três anos, de acordo com as novas regras do governo
As novas regras do governo reduziram a validade dos CRs de 10 para 3 anos (Pedro Pligher/TGT)

Em vários estados ao redor do Brasil, juízes têm garantido aos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) o prazo de validade original de seus CRs (Certificados de Registro) e CRAFs (Certificados de Registro de Arma de Fogo).

Anteriormente com dez anos de duração, o tempo para a renovação dos documentos foi reduzido pelo decreto 11.615/2023, para três anos. E com um vencimento coletivo para toda a categoria, em julho de 2026.

No entanto, pela Justiça, muitos atiradores esportivos têm questionado esse prazo, e juízes, entendido que o decreto feriu princípios do Direito ao realizar essa mudança.

Até o momento, os julgamentos alcançaram a 2ª instância, com algumas poucas sentenças proferidas —e favoráveis à categoria, de acordo com um especialista do setor.

A tese de “Dr. Beretta”

O THE GUN TRADE conversou com um advogado que tem se destacado no assunto: o criminalista Marcelo Garcia Barazal, conhecido no meio como “Dr. Beretta“. O apelido vem do fato de que Barazal é também embaixador da fabricante italiana de armas no Brasil.

Com mais de 20 anos realizando processos para obtenção de porte de arma de fogo junto à Polícia Federal, ele soma diversas ações sobre a questão da validade dos CRs e CRAFs no Judiciário, já contando com diversas decisões favoráveis na 1ª instância, e duas na 2ª instância. A maioria, diz, ainda segue em análise.

“Qual é a grande questão de entrarmos com essas ações? A primeira é fazer a defesa da nossa Constitução. Temos que preservar o ato jurídico perfeito. A lei vigente à época é que rege as emissões dos documentos”, diz Barazal.

O segundo ponto, segundo o jurista, é promover, no futuro, jurisprudência sobre o tema, com diversos julgamentos sendo feitos. Segundo ele, todas embasadas num simples princípio do Direito.

“Precisamos entrar com uma enxurrada de ações na Justiça para questionar isso. Quanto mais ações, mais chances temos de mudar o cenário”, diz Barazal.

Ele diz dialogar e compartilhar processos com outros juristas conhecidos do setor, como os advogados Jorge Barreto, Paul Karsten e Tony Santanna, a fim de expandir as ações para os CACs.

Exigência de recadastramento caiu, diz advogado

Segundo o criminalista, o setor já obteve uma vitória nesse sentido: na judicialização do recadastramento de armas, medida imposta pelo governo a partir do primeiro decreto de armas.

“Quando o governo criou a necessidade de recadastramento, entramos com tantas ações no Brasil inteiro… e o que aconteceu? O governo voltou atrás”, diz Barazal. Ele afirma que quem não recadastrou suas armas não deve sofrer nenhuma punição por parte do governo.

“Quem não fez, não tem consequência legal nenhuma. A exigência legal do recadastramento foi revogada. O novo decreto não criou uma regra sobre o tema.”

Ato jurídico perfeito

Barazal diz que “qualquer estudante de Direito de 1º ano sabe que a mudança da validade [dos CRs e CRAFs] é inconstitucional”, pois fere o ato jurídico perfeito.

Esse princípio, previsto na Constituição Federal, garante que um ato realizado conforme a lei vigente na época seja preservado, protegendo direitos adquiridos e impedindo alterações retroativas. Assim, mudanças na legislação não afetam atos já concluídos.

“Se o governo quiser que os documentos emitidos a partir do novo decreto passem a valer três anos, tudo bem. O que ele não pode é retroagir na validade dos CRs”, afirma. “Isso causa uma insegurança jurídica muito grande. Abrimos um precedente muito perigoso.”

O criminalista aponta para o fato de que o governo federal alterou os documentos via decreto, o que, segundo o jurista, torna a situação mais grave. “Se a própria lei não pode mudar a validade de documentos já emitidos, imagine mais um decreto”, diz.

Validade de CRs: Foco em 2026

O jurista aponta que, além de buscarem jurisprudência, os atiradores esportivos devem procurar segurança jurídica para o ano de 2026, quando, em julho, todos os CRs vão vencer ao mesmo tempo.

Quando isso ocorrer, quase 1 milhão de CACs terão de renovar o CR, o que traz dúvidas à categoria sobre a capacidade do governo em atender à essa demanda.

Nesse contexto, Barazal afirma que quem obter a validade original garantida judicialmente, não estará suscetível à eficiência da Polícia Federal (que vai controlar a categoria a partir do ano que vem) em lidar com todos esses pedidos de renovação.

“Vamos interpor todos recursos possíveis, considerar todos os prazos possíveis. Tudo dentro da legalidade”, diz Barazal, colocando que até aquela data “é bem factível que nenhum julgamento desse ainda tenha sido avaliado nas instâncias superiores”.

“Se passar do prazo, o direito está garantido”, diz.

Sinarm-CAC: o que vem?

O jurista salienta ainda que o órgão policial pode criar novas burocracias para os CACs. “A Polícia Federal é campeã em inventar novas regras, sem base legal”, critica.

Ele exemplifica o caso citando os processos para obtenção de posse e de porte de arma, controlados pela instituição, com registros no Sinarm (Sistema Nacional de Armas).

“A prova para porte é exatamente igual à de quem realiza o procedimento para a posse, até certa parte. Depois, o laudo se torna mais difícil. E mesmo assim, a PF não aceita esse laudo [para a permissão de possede arma]”, diz Barazal.

Ele explica que costuma orientar seus clientes que estão buscando a permissão para portar armas (e que necessariamente precisam obter a permissão de posse antes) a já realizarem o laudo feito para a finalidade final. Mas tem encontrado esse obstáculo.

“É o mesmo que dizer que, para uma qualificação técnica, o cargo requer um técnico em edificações, mas um engenheiro civil, que possui uma formação superior, seria rejeitado porque não é “técnico em edificações”. Ou ainda, pedir um enfermeiro e não aceitar um médico especializado, porque ele “não é enfermeiro”. Essa regra não está prevista na legislação e parece ser uma imposição arbitrária aplicada pela Polícia Federal“, pondera.

“Não faz sentido que um laudo de posse seja usado para pleitear o porte, mas o contrário seria perfeitamente lógico, já que o laudo de porte abrange todos os requisitos de posse”, afirma.