Deputado atacou servidor

Após ataques pessoais, secretário de Lewandowski abandona audiência dos CACs

Deputado disse que secretário era 'pau mandado' do ministro e que Lewandowski é um 'mentiroso'; Roncalli, da CBTT: "Foi aberta uma janela para discutir, mas ela foi fechada. E nós saímos perdendo"

Marivaldo de Castro Pereira deixou a audiência após ser atacado pessoalmente por um deputado.
Marivaldo de Castro Pereira compareceu à audiência representando o Ministério da Justiça (Flickr/agenciasenado)

A audiência do Congresso Nacional sobre o prazo de validade dos CRs (Certificados de Registro) e CRAFs (Certificados de Registro de Armas de Fogo), realizada nesta quarta-feira (27), teve um início tenso, após ataques pessoais do deputado Delegado Caveira (PL-PA) contra um secretário do Ministério da Justiça.

Ele chamou Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Assuntos Legislativos, de “cínico” e de “pau mandado” do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a quem chamou de “mentiroso” por seguidas vezes.

Após as falas, tanto o secretário quanto o deputado deixaram a sessão. Presidentes de associações de tiro presentes criticaram o fato: “Lacração desnecessária” (leia mais abaixo).

Entenda a discussão

Marivaldo compareceu à audiência representando o ministro. Além dele, a sessão contou com a presença de deputados da Comissão de Segurança Pública, representantes de clubes e associações de tiro, da Polícia Federal, e de especialistas jurídicos.

Em sua fala, disse que “o governo tomou uma posição extremamente importante (…) que foi o retomar o controle da política de armas no país“.

Ele afirma que o setor não possuia controle antes, e que “isso colocava em risco o agente de segurança pública”. Marivaldo citou a ocasião em que o ex-deputado Roberto Jefferson atirou contra policiais federais, atribuindo isso ao “descontrole de armas” no país.

O secretário também afirmou que o governo Lula está aberto ao diálogo, e que o objetivo do decreto é “corrigir esse descontrole”.

“A política de controle de armas não é sobre perseguir os clubes de tiro (…) não é perseguir quem cuida da sua arma nem os atletas de tiro desportivo, que são muito prestigiados no âmbito do governo”, afirmou o representante de Lewandowski.

“Evidentemente, toda política implementada pode padecer de falhas, pode demandar ajustes. É isso que me traz aqui”, disse. Ele elogiou a atuação do deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO), afirmando que “conversam todos os dias”.

“Não vamos resolver isso brigando ou ofendendo e apontando os dedos. Mas sim, no diálogo”, disse o secretário da Justiça na audiência.

‘Ministro é um fanfarrão e mentiroso’, disse deputado

Pouco depois da fala de Marivaldo, o Delegado Caveira tomou o microfone. Ele fez críticas ao governo Lula e disse que a administração federal odeia policiais. “Ele quer criar uma polícia bolivariana”.

Em seguida, Caveira afirmou que o secretário Marivaldo estava balançando a cabeça negativamente durante sua fala, e direcionou frases ao secretário.

“Eu te respeitei quando você estava falando. E leve um recado para o ministro, ele é um fanfarrão e mentiroso. Mentindo e destratando todos deputados federais que o procuraram para resolver o problema dos atiradores”, disse Caveira, já elevando a voz.

“Vejo alguns deputados que ainda perdem seu tempo de ir nesse ministério fajuto ouvir mentira. E aí me mandam um representante aqui, que conversa as mesmas as asneiras (…) ele [Marivaldo] deve ser da mesma laia, pois trabalha com ele”, afirmou o congressista.

“Não tem sentido a mentira grossa desse ministério com quem quer proteger a família”, disse, antes de voltar suas falas ao secretário: “Não adianta balançar a cabeça não. Deixa de ser cínico“.

“Respeite a minha fala Marivaldo de Castro Pereira”, continuou o delegado. “[O recado ao ministro] vai chegar por alguém, você não precisa falar não, você é um pau mandado. Você não respeita quem quer usar armas para defender sua família.”

Exaltado, o deputado afirmou que o secretário da Justiça não deveria estar na audiência: “Você fica balançando a cabeça, não passa de um pau mandado do ministro, e não é bem-vindo aqui não“.

O presidente da comissão, deputado Fernando Máximo (União-RO), pediu ao colega para manter a calma. “Eles vieram respeitosamente, eles estão conversando“.

“A minha forma calma é essa, se eu for agir da forma que sou policial, é meia dúzia de gente cínica aqui que iria ter algum problema”, respondeu Caveira.

Marivaldo então questionou se estava “liberado ofender os deputados” e cobrou o direito de resposta.

“Só falei a verdade, não disse nem a metade do que você precisa ouvir”, disse Caveira. “Pode falar, que o senhor não me intimida não”, respondeu Marivaldo. Depois, o secretário se levantou e andou até o congressista.

“Você não conhece a minha história, tem que me respeitar”, afirmou Marivaldo, já oculto na transmissão de vídeo, no canto da sala. “E nem quero conhecer, para trabalhar com um mentiroso desse aí, não quero conhecer“, afirmou o congressista.

“Eu falei que sou acostumado a lidar com bandido, não falei nem seu nome nessa frase”, disse o delegado, que voltou ao seu lugar, ainda discutindo com o secretário.

“Nosso governo está limpando a organização criminosa que tentou derrubar a democracia nesse país, você me respeite”, disse Marivaldo, já de pé, antes do áudio da sessão ser cortado.

Após a discussão, o secretário da Justiça deixou a audiência.

Roncalli (CBTT): “Foi aberta uma janela para discutir o assunto, mas ela foi fechada. E nós saímos perdendo”

Giovanni Roncalli, presidente da CBTT (Confederação Brasileira de Tiro Tático), fez críticas à posição do congressista.

“Inicialmente manifesto uma preocupação muito grande em relação à fala do delegado, que resultou na ida do Marivaldo”, disse, falando em nome de mais de 700 clubes de tiro e 20 mil associados.

O presidente da CBTT, Giovanni Roncalli (reprodução/TV Câmara)

“Todos estamos conseguindo manifestar suas opiniões de forma mais incisivas, até como o Sargento Fahur, mas sem chegar às vias de fato. Foi aberta uma janela para discutirmos o assunto, mas infelizmente sinto que ela foi fechada“, disse o presidente da CBTT.

Em fala emocionada, ele propôs uma reflexão dos congressistas: “Quem vai sair perdendo? Somos nós. Já perdemos praticamente tudo. Temos data e hora para fechar. Peço que sensibilizem, está tudo errado”.

Formado em Direito, Roncalli criticou itens do decreto, como o retroação da validade dos CRs e CRAFs.

“Aprendi na faculdade que a lei não retroagi, salvo para beneficiar. E de repente vejo as regras do jogo sendo alteradas do dia para a noite. Que recado o governo está passando para o cidadão?”, questionou, citando artigos da Constituição Federal sobre o ato jurídico perfeito.

“Fico muito preocupado. Pois a pessoa que estaria aqui para ouvir, foi embora. Fico preocupado. É muito fácil chegar aqui, fazer um discurso, lacrar e ir embora“, disse, sobre o deputado Caveira.

Roncalli também cobrou ação dos congressistas. “Vocês tem o poder de convocar o ministro. E façam isso, se não morreremos por inanição”, diz Roncalli.

O presidente da CBTT afirmou também que o PDL (Proposta de Decreto Legislativo) deveria ser votado no Senado. “Estamos apanhando e está doendo. Não vejo luz no fim do túnel”, disse.

Danfenback (Linade): “Lacração desnecessária”

Marcelo Danfenback, presidente da Linade (Liga Nacional dos Atiradores Esportivos), que conta com 94 mil atiradores associados, além de 1.400 clubes, também fez críticas a atuação do deputado Caveira contra o secretário da Justiça, na audiência.

Lacração desnecessária. Entra, fala, lacra e vai embora. E o problema fica para nós“, disse, concordando com Roncalli.

Ele elogiou a atuação do deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO).

“Todos os dias o peso em nossas costas aumenta muito. Todos os dias nos cobram solução”.

“É difícil propor algo quando há pessoas que nos rotulam, com uma fama que não nos cabe. Tem algumas frases que precisam ser lembradas”, disse Danfenback, citando o ex-ministro da Justiça Flávio Dino.

“Como, por exemplo: ‘não vamos recadastrar nem 80% das armas, pois 20% estão no crime organizado‘, citou o presidente da Linade, referindo-se à uma colocação do ex-ministro, que disse, em março de 2023, que somente 80% das armas seriam recadastradas. O número chegou a 99,7%.

Danfenback também criticou as falas do secretário Marivaldo. “Não se sustentam”.

Como pode querer limitar o horário de funcionamento de um clube das 18h às 22h. É um horário com policiamento reduzido. Mais pessoas na rua circulando com armas nesse horário?, disse.

“Pega-se um caso como parâmetro, como do Roberto Jefferson, num universo de 1,2 milhão de CACs?”, disse, sobre uma fala do secretário.

“Estamos remando no seco. Não vemos luz no fim do túnel. O ato jurídico perfeito não pode ser mudado, são regras esdrúxulas. Estamos sendo massacrados todos os dias.que participou à distância, por ter recém saído de uma cirurgia (reprodução/TV Câmara) (reprodução/TV Câmara)

“Estamos lidando com o que? Estamos pedindo para quem? Se os deputados e senadores não conseguem fazer a coisa ter o mínimo de respaldo jurídico, o que dirá nós?”, afirmou.